Metallica: Do Napster ao Stranger Things

Com a chegada da última parte de 4ª temporada Stranger Things na Netflix algo no mínimo inusitado aconteceu: o Metallica voltou ao topo das paradas de sucesso. Obviamente eles continuam enchendo estádios e arenas ao redor do mundo mas, depois de mais de 30 anos, Master of Puppets figurou nas paradas mundiais graças a incrível sequência protagonizada pelo personagem Eddie, nó último episódio da série.

Enquanto alguns discutem o fato do grupo de ter virado “modinha” – e eu nem vou entrar nessa questão porque POR FAVOR NÉ?! – quero pegar como uma banda que em seus primórdios era avessa ao marketing tradicional da época (e se orgulhava disso) e hoje usa de forma fantástica os novos tempos ao seu favor.

O Metallica foi muito relutante na sua relação com as grandes mídias em seu começo. O primeiro videoclipe, “One”, só veio no quarto álbum da banda, estreando no dia 20 de janeiro de 1989. Em uma época que a MTV ditava as regras de quem era sucesso ou não, o quarteto da Bay Area caminhava na contramão. Preciso dizer que já eram uma banda que enchia arenas e a turnê junto com Ozzy Osbourne em 1986 foi uma prova de que já estavam alguns níveis acima da média.

Porém as coisas mudaram de figura em pouco tempo. No cultuado Black Álbum o Metallica investiu pesado em divulgação. Cinco clipes lançados que tocaram a exaustão na MTV e em tantos outros lugares, elevando de vez o status da banda para o mainstream. Foram mais de três anos em turnê entre 1991 e 1994, 300 shows ao redor do mundo e um verdadeiro bombardeio de Metallica onde quer que você fosse.

Banner promocional dos shows do Brasil em 93

Continuando a década de 90, tivemos os lançamento de quatro outros discos: Load, Reload, Garage Inc, e o S&M. Críticas criativas a parte (eu adoro todos eles), o Metallica havia achado sua forma de marcar presença na mídia na sua maneira. Tivemos a “polêmica” mudança no seu visual, os clipes ficaram melhor produzidos, mas havia um padrão de trabalho bem claro. Até que veio o Napster.

Napster Vs Metallica

O Napster foi o primeiro grande aplicativo de compartilhamento de músicas que surgiu na web. De uma hora para outra, qualquer pessoa com acesso a internet podia conseguir qualquer música. Foi a primeira vez que tanto conteúdo foi disponibilizado para tanta gente de uma só vez. A praticidade dos arquivos MP3 mais o começo da disseminação da grande rede foi o combo perfeito para começar algo que hoje é tão natural que muita gente mal se dá conta.

A fagulha da discórdia começou em 2000, quando uma versão pré-mixada de “I Disappear” apareceu na rede. A música, trilha sonora de Missão Impossível 2, começou a pipocar na rede e até mesmo tocar em rádios antes do lançamento oficial. Isso não agradou nada os caras do Metallica, especialmente o baterista Lars Ulrich que foi um dos principais nomes nessa luta contra a internet. A banda acionou judicialmente os donos do Napster contra essa distribuição gratuita, o que rendeu uma série de sessões nos tribunais americanos.

Na época um press release emitido pela banda dizia: “É doentio saber que nossa arte está sendo comercializada como uma mercadoria, e não como a arte que é. Do ponto de vista empresarial, trata-se de pirataria – pegar algo que não pertence a você. E isso é moral e legalmente errado. O comércio de tais informações – sejam músicas, vídeos, fotos ou o que quer que seja – é, na verdade, tráfico de bens roubados.”

Foi um verdadeiro turbilhão de merda. Enquanto a banda tinha seus motivos de querer proteger sua propriedade intelectual e, de forma prática, ganhar por seu trabalho, o outro lado se focava que o Metallica, que imprimia dinheiro com seus shows, camisetas e outros produtos licenciados, era movido apenas pela ganância. Diversos artistas se dividiram nessa questão que, a bem da verdade, não tinha um único certo ou errado.

Em 2001 Metallica e Napster entraram em um acordo judicial mas o sentimento de que os caras se tornaram os “chatões” do mercado estava impregnado. O lançamento do criticado “St. Anger” em 2003 também não ajudou a desfazer a imagem ruim do grupo. E, como é possível ver no filme “Some Kind of Monster”, os problemas iam muito além da briga com a internet.

Um novo Metallica

Mas todo esse furacão do começo dos anos 2000 talvez tenha ensinado uma coisa ou duas para o quarteto da Califórnia. Entendendo que essa revolução digital se estabeleceria como o normal, aos poucos o Metallica foi se adaptando e fazendo proveito do novo cenário tecnológico. Sempre da sua forma, obviamente.

Em certo ponto eles lançaram o site LiveMetallica, no qual disponibilizam o áudio completo de praticamente toda as apresentações ao vivo, em formato mp3, sem firulas, nem criptografias especiais. Eu, por exemplo, tenho todos os shows que fui desde 2010. Gravações de apresentações ao vivo são legais, mas quando tu está ouvindo aquela que você esteve presente, é outra coisa.

Ao mesmo tempo, o investimento no Youtube cresceu da mesma forma. A maior parte dos shows ganhou um pequeno recorte no canal oficial da banda alguns dias após a apresentação. Além de exibir uma música (as vezes duas), tínhamos a oportunidade de ver parte do backstage: o aquecimento da banda, meet & greet com fãs e outros takes raros de se ver, especialmente para uma banda do tamanho do Metallica.

Hoje em dia o conteúdo off-stage ficou mais raro, mas após cada espetáculo, podemos esperar uns dois ou três vídeos daquela apresentação pipocando na internet nos dias seguintes.

Lembra da banda que demorou cinco anos para lançar o primeiro clipe? E se eu te contar que em 2016 com “Hardwired…to Self-Destruct”, o Metallica chegou com vídeos para todas as 12 músicas do álbum já no lançamento? Em uma estratégia de marketing global, a cada duas horas um novo clipe foi divulgado em uma ação conjunta entre diversos portais de notícias ao redor do mundo. Aqui no Brasil o GShow foi responsável por publicar “Dream no More”.

E tem sido assim até os dias atuais. Mesmo fazendo cinco anos do seu último álbum, o Metallica segue em um ritmo no qual sempre está ativo na mídia sendo, com mais de 4 décadas de vida, ainda uma das bandas/artistas mais influentes do mundo. E é ai que chegamos ao fenômeno Stranger Things. Teremos spoilers do último episódio da 4ª temporada, bom deixar avisado.

Enquanto eu ainda reflito o peso da sequência final de Eddie para o roteiro como um todo, é inegável como a sequência com Master of Puppets é maravilhosa! Um prato cheio para os fãs da banda como uma ótima apresentação para quem nunca tinha ouvido falar de Metallica na vida. O próprio quarteto apareceu trajando as camisetas do Hellfire Club para celebrar o evento. Alias tem uma edição especial delas na loja oficial do Metallica, para quem quiser comprar.

Toda essa ação culminou na apresentação mais recente, realizada no Lollapalooza em Chicago, quando ao terminar o show com Master of Puppets, cenas da série foram exibidas no telão, o que gerou uma comoção tremenda nas internets. E isso não foi mero acaso. O festival é conhecido por sua diversidade de público, proveniente da diversidade de atrações e tem um apelo muito maior com os jovens que, vejam só, também estão bastante conectados com Stranger Things. Uma ação transmídia executada de forma cirúrgica.

De toda essa história, podemos concluir que o Metallica é uma banda que antes de tudo sabe se adaptar ao meio. As vezes na base da porrada, é verdade, mas pouquíssimos artistas da longevidade deles se mantém tão relevantes não só para seus fãs antigos, mas para as novas gerações.



Bruce

Jornalista, Game Designer e perito na arte das piadas de qualidade questionável. Adora sofrer em soulslike, perder horas em jRPGs e passar a vida no Final Fantasy XIV