Análise: The Last of Us Parte II

Após quase quatro anos de espera, contados da data de anúncio do projeto no final de 2016, The Last of Us Parte 2 foi lançando no último mês de junho. Assim como seu antecessor, chega como um dos grande títulos da safra final de seu console e, da mesma forma, impressiona tanto por suas qualidades técnicas como por sua narrativa que, sem sombra de dúvidas, é o grande pilar do game. Sem entrar em spoilers, escrevo aqui minhas impressões sobre o mais recente jogo da Naughty Dog, exclusivo de PlayStation 4.

Imagino que a parte mais fácil seja falar sobre os aspectos técnicos do game, que são impecáveis. A variedade nas cidades de Seattle e Jackson, a precisão cirúrgica da iluminação em diferentes cenários, animações extremamente variadas para inúmeras ações e, por vezes, quase imperceptíveis a um olho menos atento, tudo foi feito com extremo cuidado. É um nível de detalhamento que beira o absurdo, tamanha a complexidade empregada para a construção desse mundo. Os personagens também contam com uma fluidez de movimentação incrível, tanto corporal como facial, de cair o queixo. Seja nas cenas animadas ou no jogo mesmo, a qualidade é absurda.

Vale o mesmo para a trilha sonora que, igual ao primeiro game, traz novamente a assinatura de Gustavo Santaolalla. Melodias que se transitam entre os momento de tensão, tristeza e vazio que se alteram durante a jornada.

Em time que ganha…

A jogabilidade geral de TLOU Parte 2 mudou muito pouco em relação ao seu antecessor, foram apenas refinadas ou sofreram pequenos ajustes. O sistema de criação é literalmente o mesmo: através de suprimentos e restos encontrados pelo mapa vamos montando kits médicos, molotovs, bombas de fumaça, e outros apetrechos.

Aquelas revistas e manuais que antes liberavam técnicas específicas agora destravam uma série de habilidades, que são destravadas com as pílulas espalhadas pelos mapas, e talvez essa seja a maior mudança. Por outro lado, a melhoria de armas foi simplificada: não existe mais o nível de ferramenta. Basta ter a quantia de engrenagens necessária e fazer a alteração em uma mesa de reparo.

Nos combates a Naughty Dog também não mexeu muito. Embora mais graficamente violentos, os confrontos seguem a regra do “tente não ser visto, pegue todos na furtividade”. A principal novidade são os cachorros, que podem te rastrear (mas são bem poucas as arenas que eles aparecem). Fora isso, senti que os inimigos alertam mais rapidamente seus companheiros quando te avistam, assim como a interação entre eles, no geral, está melhor trabalhada. O velho truque de deixar um corpo de chamariz e matar cada infeliz que vai lá verificar ainda funcionou em alguns trechos.

Sobre os infectados, foram adicionados dois novos tipos: Trôpegos, que emitem um ácido mortal ao seu redor e quando morrem, explodem; e Espreitadores, um estágio intermediário da infecção. que fica se escondendo até achar uma oportunidade para atacar. Da mesma forma, as mesma táticas ainda são válidas para a maioria dos momentos.

No geral as arenas de combate estão maiores com boas opções de movimentação, permitindo algumas abordagens diferentes para um mesmo cenário. Até a tática do “passar direto” foi uma opção algumas vezes, algo que, embora possível no primeiro, era bem mais complicado (ao menos na minha experiência).

Esse mundo mais amplo também se reflete uma maior exploração pelas ruas e prédios destruídos de Seattle e talvez esse seja minha única ressalva quanto ao gameplay. Existe muita coisa para vasculhar, muita mesmo, e em alguns momentos minha percepção nessa imensidão vazia é que ela existe só para render mais algumas horas de jogo, sem de fato somar algo interessante. Essa sensação foi mais forte no “1º ato” do game e remover essas “gordurinhas” tornaria essa parte um pouco menos cansativa ao meu ver. O jogo para mim só engrenou de vez no fim desse trecho, na questão de ritmo.

A vingança nunca é plena

Toda essa construção de gráficos, trilhas e mecânicas de jogo tem um único objetivo, que é dar suporte a história de The Last of Us Parte 2. E o esforço vale a pena. Talvez você já até tenha lido por ai que TLOU 2 é um jogo sobre vingança. Bom, ele é sobre isso também, mas não só isso. Esse segundo capítulo, agora protagonizado por Ellie, é um conto sobre o ciclo do ódio com personagens que na ânsia de emplacarem suas próprias justiças, se tornam míopes para o mundo ao seu redor. E como essa falta de visão os afeta de diferentes formas.

Vale aqui a celebre lição de Full Metal Alquemist sobre a troca equivalente que, em outras palavras, diz que nada vêm de graça. É exatamente esse um dos pontos principais da evolução da trama. Ellie, após ser exposta a um terrível trauma, não pensa duas vezes para levar adiante sua justiça e punir aqueles que a fizeram mal. Essa força de vontade empurra ela para a frente, mas ao mesmo tempo, a faz seguir tão cegamente seu objetivo que sentimentos como medo, culpa, ódio e revolta se misturam. Dá para dizer que não só a Ellie mas outras figuras da trama, no final das contas, buscam uma forma de apaziguar seus espíritos nesse mundo caótico. Mas qual a melhor forma e como chegar nessa paz é que pode ser o grande problema.

Em um mundo totalmente cinza, esse segundo jogo deixa algo ainda mais claro sobre seu universo: não existem heróis e vilões. Cada pessoa possui suas próprias batalhas e eventualmente interesses podem colidir. A evolução dos personagens centrais da trama é extremamente interessante, mesmo com decisões questionáveis, do ponto de vista moral.

Embora a interatividade seja um dos pontos altos dos video-games, o fato de não termos nenhum poder de decisão sobre o rumo da história dá mais força aos sentimentos dos personagens. Assim como na nossa vida, ninguém tem o controle de tudo e lidar com o adverso é uma constante. Essa sensação de impotência criada nos personagens é o que os faz agirem tão intensamente, como se buscassem uma forma de se sentirem mais responsáveis ou relevantes em suas próprias histórias.

Quanto a construção da narrativa gostaria de destacar um único trecho que, no meu ver, ficou meio raso. Um evento bem importante acontece no jogo nas suas primeiras horas. Enquanto o fato principal é bem impactante, algumas arestas dessa situação foram resolvidas de forma bem simplista. São algumas soluções de roteiro rasas. No calor do momento do fato maior elas passam batido, dada a importância do evento principal, mas voltando a elas com mais atenção, percebi que algumas construções poderiam ser melhor trabalhadas. Não é nada grave e que comprometa a estrutura da narrativa geral, mas são pequenos argumentos que poderiam ser melhor desenvolvidos, sabe?

The Last of Us Parte 2 é uma obra incrível em todos os sentidos. Traz uma qualidade técnica altíssima, que talvez seja uma prévia do que podemos imaginar para a futura geração. Mas como mencionei anteriormente, nada disso importaria se não fosse justificado por uma história simplista e sem um roteiro que estivesse ao menos, na altura de seu antecessor. Felizmente não é esse o caso. Encontramos aqui uma narrativa pesada, que mostra como o mundo de The Last of Us é rebuscado. Momentos tensos e decisões moralmente difíceis de personagens tornam toda a experiência marcante. Nada é escrito em pedra e por muitas situações, parece que todos estão a um passo de perderem totalmente o controle.

Uma experiência forte, sobre vingança, redenção e nossa capacidade de mudar e adaptar, The Last of Us Parte 2 pode não ser o que os fãs do primeiro jogo esperavam, e fico feliz que seja assim. Ele é muito mais do que uma mera sequência, é uma jornada incrível, por vezes amarga, mas extremamente interessante.



Bruce

Jornalista, Game Designer e perito na arte das piadas de qualidade questionável. Adora sofrer em soulslike, perder horas em jRPGs e passar a vida no Final Fantasy XIV

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