Por que não sabemos nos comportar em jogos on-line?

Esse post foi publicado originalmente no dia 22 de setembro de 2017 em um projeto que não está mais on-line. Trarei esse e outros textos que estão escondidos no meu portfólio para uma vez mais olharem a luz do dia.

Nessa última semana um velho problema do mundo dos jogos voltou a pauta principal das discussões: os problemas comportamentais e jogadores tóxicos. A discussão ganhou força após o vídeo de atualizações semanais da equipe de Overwatch, apresentando pelo diretor do jogo Jeff Kaplan. Eleé bem direto ao dizer que buscar soluções para inibir comportamentos ofensivos vem tomado bastante tempo do time de produção, tempo esse que poderia ser usado para desenvolvimento de outros recursos se esse problema não fosse tão grave.

Coincidentemente também nessa mesma semana a Riot Games do Brasil implementou uma campanha inédita, também no sentido de reforçar atitudes positivas em League of Legends. Dividindo os jogadores em dois times, o objetivo foi fazer com que os próprios players se policiassem, mostrando que existem opções mais educadas para lidar com companheiros de equipe e adversários.

Overwatch e League of Legends são dois jogos de muita popularidade e por isso mesmo os problemas de comportamento são mais visíveis em ambos os títulos, mas isso nem de longe é exclusividade deles, tão pouco é algo que surgiu a pouco tempo. Como alguém que já trabalhou um bom tempo em fóruns de MMORPGs, essa falta de educação é praticamente e infelizmente uma marca que nos assola a um bom tempo.

Sem noção de ser babaca

Bom, podemos começar falando de como são as coisas nessa época de internet. Hoje é muito fácil dar opinião sobre qualquer coisa e ao mesmo tempo que redes sociais podem amplificar suas palavras, o segredo do anonimato pode te proteger de ser contrariado ou que consequências graves caiam sobre sua pessoa. É extremamente fácil falar qualquer asneira e não sentir o peso que as palavras tem.

Aqui quero voltar um pouco no tempo para minhas épocas de fliperama, final dos anos 90. Pode ter certeza que nas máquinas de X-Men vs. Street Fighter ou The King of Fighters 97 rolava tanta competição quanto uma partida de LoL. Mas ali era mundo real, o adversário estava do seu lado, havia uma linha de respeito por mais que você achasse o sujeito um imbecil (e sempre tinha um imbecil). Falar o que não devia era estar pronto para arrumar confusão ou ser ingenuo o suficiente para achar ser imune a isso.

Não quero começar o papo de “no meu tempo era melhor” mas em uma partida de LoL hoje em dia o figura pode comer sua mãe de 10 maneiras diferentes e nada real acontece. Por muito menos que isso já vi teclado voando em corujão de lan house. E dessa facilidade de ofender gratuitamente e fazer o que quiser que nos tornamos menos sensíveis ao outro. Se você está perdendo, claramente a culpa é do inútil do suporte que não fez o certo. Ou o que você achava que era certo na sua cabeça, mas em nenhum momento pensou se as outras pessoas compartilhavam dessa opinião. Quantas vezes você já viu alguém berrando no chat para fazer determinada ação e quantas vezes viu alguém tentando propor alguma estratégia no começo de partida?

Essa dualidade de certo e errado tão imediatista está no mundo digital como um todo e por consequência nos jogos online. Eu peguei um trecho do programa Café Filosófico com o Marcelo Tas e o professor de de filosofia Mário Sérgio Cortella que explicam em outras palavras (certamente mais precisas que as minhas) como essa falta de tato entre o relacionamento de pessoas na internet nos afeta. Sobre a facilidade de apenas definir certo e errado ao invés de buscar um meio termo.

 

Todo mundo tem uma sombra

Certo, mas só isso não é a resposta para o que procuramos aqui. Pessoas cretinas que acham que tem o rei na barriga e não entendem (ou não querem entender) o que é conviver em sociedade existem, mas o problema não seria tão grande se só elas fossem a causa da discórdia. O ponto é que todo mundo em algum nível e em algum momento já teve vontade de xingar alguém por 7 gerações, seja por ter sido “operado” no Counter Strike ou ter morrido pela quinta vez seguida para a Valeera do time inimigo. E aqui quero abordar outro ponto dessa equação que é a frustração.

Quando nos propomos a fazer algo, via de regra desejamos que esse algo seja feito da melhor forma possível e isso vale mais ainda em uma competição. Se é algo de nosso interesse, vamos investir nosso tempo e nossos esforços para termos os melhores resultados possíveis. E quão frustrante é entrar em uma partida de Dota 2 por exemplo e perceber que um jogador, talvez por inexperiência, esteja comprometendo todo o time. Ou em uma partida de Rainbow Six: Siege, ter seu time dizimado pelo adversário sem ao menos a chance de dar uma resposta. Essas situações nas quais não podemos mostrar o nosso melhor nos frustram e muitas vezes nos levam a procurar culpados, afinal esse desastre tem que ter um responsável.

Eventualmente pode ser o caso de um sujeito com a infeliz ideia de estragar a diversão alheia de propósito. Mas existem outros cenários que podem nos levar a uma derrota: alguém pode não estar em um bom dia, ou distraído com outro assunto, ou a composição do time não está adequada ou simplesmente seu adversário era mais habilidoso. Ver nosso empenho em fazer algo ser jogado ralo a baixo nos deixa frustrados o que pode facilmente no levar a outros sentimentos negativos. Nada mais irritante ao constatar que jogamos nosso precioso tempo fora, não é mesmo?

Colocar para fora a fúria e extravasar é muito bom quando estamos jogando — esse inclusive é um dos motivos pelos quais jogos podem ser divertidos — porém algo que jamais deve ser perdido é o respeito pelo próximo, sob o risco de nos acostumarmos em um cenário onde o mau comportamento é o padrão. O seu “tanque” só fez burrada e tu quer mandar ele tomar naquele lugar? Não passe vontade, mas grite pra você mesmo no seu quarto ou na sua sala, não espalhe o ódio on linee estrague ainda mais o clima. Passada a fúria pense em algo para resolver o problema. Ou só espere a partida acabar e vida que segue. Tenho certeza que você não sai ofendendo todo mundo que vê pela rua, porque faria isso na internet? Bom, muita gente faz isso no transito e o caos que é dirigir em uma cidade grande só reforça o meu ponto de vista.

O amigo que está lendo pode então falar “já xinguei alguém mas foi só uma vez, e nem foi tão grave assim”. Tudo bem mas pense na quantidade de pessoas que jogam on-line. Quantas dessas pessoas ofendem de vez em quando por que perderam a linha? O que parece algo pontual acaba gerando um ciclo nivelado por baixo — alguém perde a linha e faz uma besteira, deixa outras pessoas nervosas que fazem outras besteiras, etc. Isso vai desestabilizando e desmotivando toda uma comunidade não como uma grande onda, mas gota por gota que quando todos percebem, já encheu uma represa pronta para explodir.

Fazendo as escolhas certas

Daria para alongar esse assunto por páginas, mas acho que é uma boa hora para amarrar as pontas e fazer algumas conclusões. Eu não abordei aqui temas mais pesados como ofensas raciais, de gênero, religiosas e outros tipos por que nesse momento preferi abordar o assunto um passo antes desse nível, quando o ser humano rompe a tênue barreira do respeito. O preconceito e assédio de qualquer tipo é execrável não tendo nenhuma justificativa e talvez possamos abordar esse espectro da questão futuramente.

Dito isso como poderíamos chegar a soluções para o problema da “toxicidade” nos jogos online? Em parte, como consumidores devemos sim cobrar atitudes das empresas que oferecem os serviços para que elas instalem mecanismos que permitam que atitudes negativas sejam coibidas, mas essa é só parte da equação. O fundamental é que as comunidades por si repensem como seus integrantes lidam uns com os outros. E isso engloba eu, você, seu amigo, seu namorado ou namorada, sua vizinha, a turma da ranqueada, o pessoal do Discord e mais um monte de gente que você nunca viu na vida, mas que você tem que tratar com respeito simplesmente porque esse é um princípio básico da sociedade.

Claro que nada garante que mesmo que mantenhamos um bom comportamento algum infeliz apareça e azede nosso dia, gente mal educada existe em todo lugar. Mas prefiro pensar que esse grupo é uma minoria barulhenta e é exatamente nesses momentos que temos que mostrar que somos melhores do que isso. Seguir pelo caminho mais baixo é fácil, mas é isso que nós queremos? É isso que você quer?



Bruce

Jornalista, Game Designer e perito na arte das piadas de qualidade questionável. Adora sofrer em soulslike, perder horas em jRPGs e passar a vida no Final Fantasy XIV

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