Análise: Shadow of the Tomb Raider
Essa análise foi originalmente escrita em outubro de 2018, na época do lançamento do jogo.
Em 2013, a série Tomb Raider recebeu um merecido e necessário reboot, mostrando uma Lara Croft mais jovem, no começo de sua jornada como arqueóloga e ainda aprendendo como esse mundo pode ser cruel. Passados cinco anos desde o primeiro game, Shadow of the Tomb Raider chega para fechar esse arco de construção da nova Lara. Essa nova sequência segue fielmente os passos de seus antecessores, não trazendo muitas inovações de gameplay mas ampliando e polindo o que deu certo nos capítulos anteriores.
Entrando nas sombras
Nessa nova aventura, Lara não é mais uma moça aprendendo a usar um arco e flecha, mas sim uma exploradora experiente e, em certos momentos, um verdadeiro rolo compressor de destruição em massa. Ela está no nível mais alto de suas habilidades de exploração e combate.
Praticamente todas as técnicas dos jogos anteriores estão de volta, dessa forma aqueles que passaram pelos outros games pós reboot não terão dificuldades em se adaptar. Mas se você está começando por Shadow, rapidamente é possível se acostumar com os comandos. Dentre as novidades em relação às mecânicas de exploração, temos o rapel, que permite Lara descer de uma parede com uma corda e trechos maiores embaixo d’água, com a introdução de bolsões de ar que permitem a senhorita Croft mergulhar e explorar rios e lagos por mais tempo.
A parte mais interessante, contudo, envolve as novidades no combate com foco na ação furtiva. Lara pode acertar oponentes do alto de árvores com uma flecha e pendurá-los, quase como Batman faz nos jogos Arkham. Por se tratar de uma floresta, nossa heroína pode se esconder atrás de moitas no chão e paredes de vegetação. O grande toque é a técnica de se sujar com lama, no melhor estilo Predador, para dificultar que os inimigos te percebem e, claro, matá-los de forma furtiva.
De maneira geral, a sensação jogar Tomb Raider é muito boa, os comandos respondem bem e nunca senti que o jogo estivesse me podando de alguma forma. Explorar lugares ou enfrentar inimigos é bastante divertido e, mesmo que você queira uma abordagem mais explosiva contra os oponentes, dá para fazer embora o risco seja alto. Em resumo, você tem bastante liberdade para agir como achar melhor.
Uma única ressalva que trago nesse quesito é que o jogo “pega na sua mão” mais do que deveria. Os textos tutoriais, quando alguma ação específica precisa ser feita aparecem o jogo inteiro, por mais que você já esteja careca de saber o que fazer. Um exemplo disso são os próprios bolsões de ar: o game nunca se limita a mostrar somente o botão de interface mas toda vez me explica que “Um bolsão de água é necessário para Lara recuperar o fôlego” e bla, bla, bla.
Tumbalacatumba
Já que abordei o ponto da exploração, Shadow tem muita coisa para ser descoberta. Além da campanha principal, que deve tomar umas 10 horas, existem vários conteúdos opcionais: tumbas, criptas, caçadas, desafios, coleções de artefatos e missões secundárias. Mesmo com um Passe de Temporada já confirmado, o pacote principal de Shadow traz muita coisa extra.
O que talvez possa contar contra essa grande quantidade de conteúdo é que, no geral, são coisas mais fechadas e não se relacionam tanto com a trama principal. Os puzzles das tumbas e missões são desafiadores e interessante porém carecem de alguma motivação narrativa. Para alguns isso pode ser indiferente, para outros pode pesar um pouco, vai de cada um.
De qualquer forma, vale mencionar que Shadow of the Tomb Raider tem muito mais trechos de exploração do que combate, o que vejo como algo positivo, por mais que as lutas sejam interessantes. A essência de Tomb Raider mora na busca por mistérios e fico feliz que essa porção tenha a maior parte do foco.
Quem são os vilões?
No quesito gameplay tenho pouquíssimas coisas para reclamar de Shadow of the Tomb Raider. O mesmo já não posso dizer da sua narrativa, que dá alguns tropeços significativos. O jogo começa com Lara e Jonah tentando encontrar um artefato Maia no interior do México. Eles querem achar esse item antes que a organização chamada Trindade se apodere dele. E aqui vai minha primeira crítica: se você não jogou Rise of the Tomb Raider, não faz ideia de quem eles possam ser. Não há um prólogo ou mesmo algum diálogo introdutório. Eles simplesmente são os vilões e pronto.
Lara consegue chegar em tal artefato primeiro. Porém, ao retirá-la do pedestal, a nossa arqueóloga acaba sendo o gatilho para a catástrofe ao invés de ser impedi-la. Na confusão inicial surge Pedro Dominguez, o grande vilão do jogo e líder da Trindade. Pedro acaba tomando a frente e, se não for, impedido, pode usar o apocalipse que está por vir em benefício próprio.
Esse plot principal é interessant, mas se perde na sua construção, a começar na figura do vilão. Nas primeiras seis horas de jogo, ele apareceu em somente duas cenas e, em uma delas estava em um plano de fundo. Não há uma ligação forte de antagonismo entre Lara, Dominguez e a Trindade nesse jogo, algo que era mais claro em Rise of the Tomb Raider.
Por outro lado a trama poderia focar na própria Lara que, querendo ou não, foi a responsável por começar os eventos do fim do mundo – o peso da sua inconsequência é deixado bem evidente no primeiro trecho do game. Em alguns momentos parece que o jogo quer levar para esse lado mais pessoal, focando na obsessão da protagonista em ir atrás do que deseja, com passagens que deixam claro que Croft também é uma assassina, tanto quanto aqueles que persegue. E isso seria uma escolha narrativa incrível.
Contudo, o jogo só dá leves pinceladas nessa abordagem. Ele dá um passo à frente nesse assunto, e depois recua outro. Esse vai e vem acontece algumas vezes e é até meio agoniante. Você consegue visualizar todas as peças ali mas falta aquele momento do “agora vai”.
Essas situações ficam bem claras nos diálogos entre Lara e Jonah, o contraponto da nossa heroína e que desempenha muito bem essa função. É o cara que dá bronca quando precisa, mas é o ombro amigo na hora da necessidade. É a voz que, enquanto Lara está perdida nas adivinhações, está preocupado com a perna ferida dela. Aliás, os momentos com os dois são as melhores passagens do jogo.
No resto, temos algumas cidades escondidas, traições, diários perdidos e coisas do tipo. No geral a história é boa e até dá uma engatada no último quarto do game mas com um pouco mais de ousadia poderia ter se tornando algo muito maior.
A beleza da floresta
No aspecto técnico, eu poderia fazer um trabalho de TCC para dizer o quanto Shadow of the Tomb Raider é bonito, aproveitando dos belos visuais que podem nascer da selva amazônica e de construções de civilizações antigas. Mesmo as cavernas e ambientes fechados são muito bem trabalhados.
O que mais me surpreendeu nisso tudo foram as especificações técnicas para PC, que são relativamente baixas. Meu PC está um pouco acima do mínimo e conseguiu rodar bem o jogo no nível médio. Nos consoles ou em um PC mais atual, espere por gráficos excepcionais.
Toda essa qualidade pode ser também aproveitada no Modo Fotografia, que traz opções bastante interessantes. Com certeza a melhor delas é a opção de mudança de expressão da Lara, que traz a oportunidade de capturar momentos únicos, vamos colocar assim.
Fechando essa análise, Shadow of the Tomb Raider foi totalmente traduzido para nosso idioma, legendas, textos e dublagem. Essa última está com uma qualidade razoável, não é o melhor trabalho do mercado, mas atende bem a necessidade.
Sobre vozes, quero fazer um comentário adicional sobre a opção de “Vozes Imersivas”. Com ela todos os personagens falam seu idioma nativo, independente da opção de dublagem. Não falo de vozes de fundo, mas nas cenas principais e diálogos com Lara. Apesar de ser uma boa ideia, ela soa extremamente estranha, pois a heroína mantém o idioma da dublagem escolhida.
Imagina a cena: Lara Croft chega com seu inglês britânico impecável e começa a conversar naturalmente com uma senhora peruana falando espanhol e as duas se conversam naturalmente. O efeito é completamente contrário ao da imersão. Com a dublagem em português até dá pra enganar mas em inglês fica engraçado pelos motivos errados.
Shadow of the Tomb Raider encerra a primeira trilogia de Lara Croft após o reboot de 2013 com muitas qualidades em seu gameplay diversificado, extenso conteúdo para ser explorado e gráficos absurdamente magníficos, mesmo em PCs mais modestos (dentro das configurações mínimas, claro).
O game dá escorregadas pontuais com certas decisões de design, mas são coisas mínimas. O ponto que deixa mais a desejar ao meu ver é a narrativa que, apesar de querer introduzir uma Lara Croft se firmando como arqueóloga, não consegue nem produzir um grande vilão, nem tratar a fundo os conflitos e paradoxos internos da protagonista, ficando sempre no quase. Apesar disso, admito que o encerramento em si me agradou.
De qualquer forma Shadow of the Tomb Raider é um ótimo jogo que vale ser aproveitado em sua amplitude, explorando cavernas e atrás de tesouros antigos, com muitos desafios interessantes. O game está disponível no PC, PlayStation 4 e Xbox One.