Análise: Final Fantasy VII Remake

No distante ano de 1997 chegou ao mundo o sétimo capítulo da saga Final Fantasy. A Squaresoft abandou a Nintendo e levou sua maior franquia com exclusividade para o recém chegado PlayStation. Com o potencial de hardware muito maior do que o Super Nintendo, o projeto mostrou uma revolução técnica em uma escala gigantesca. Os gráficos 3D, as cenas de animação, a trilha sonora, tudo era algo em nível jamais visto até então. Recursos esses que não eram só “perfumaria”, ajudavam a dar maior carga à história e seus personagens. Mostrou ao grande público a magia dos JRPGs.

Assim Final Fantasy VII foi, sem sombra de dúvidas, um divisor de águas não só para a série, mas para toda a indústria dos jogos eletrônicos e mesmo da cultura pop. Sendo assim como seria o desafio de revisitar essa obra, após mais de duas décadas? Um dilema facilmente surge quando pensamos nisso: qual o ponto certo entre se manter fiel ao original e fazer as alterações necessárias para criar um jogo relevante em 2020? Essa foi a sinuca de bico que a Square Enix se enfiou ao confirmar a produção de FF VII Remake em 2015. Hoje, cinco anos depois, temos o e resultado dessa aposta.

Um novo velho mundo

Antes de começar a falar do jogo em si, vale uma nota. Sou grande fã de Final Fantasy mas meu envolvimento com o FF VII até antes desse remake era mínimo. Fui jogá-lo anos mais tarde via emulador e mal cheguei no final do 1º CD, embora saiba por cima o que acontece na trama toda de maneira geral. Dessa forma o fator nostalgia não pesou nessa jogatina e nessa análise como um todo.

Dito isso, afirmo aqui com absoluta tranquilidade que FF VII Remake é um dos melhores games que já tive a oportunidade de jogar. Tudo nele é tão bem feito, tudo tão redondo que é até difícil acreditar que o time de desenvolvimento da Square Enix realmente conseguiu dar vida a uma obra que respeita o original mas que, ao mesmo tempo, tem vida própria e não é apenas mais do mesmo.

Para tanto, escolhas foram feitas. A primeira grande diferença do remake está em relação ao seu escopo. Seguindo o roteiro original, esse novo jogo traz apenas o trecho que se passa em Midgar, menos do que um quarto do game. Esse recorte, entretanto, foi expandido e aprofundando, trazendo uma campanha que gira pelas 40 a 45 horas. A mudança permitiu um maior destaque a personagens antes ignorados, como o trio Jessie, Wedge e Biggs. Também deu mais tempo de tela para os principais Cloud, Tifa, Barret e Aerith, o que tornou possível uma melhor construção de suas motivações e personalidades. Os eventos fluem com mais naturalidade.

Os mini-games do original também estão presentes. E essa é bem difícil!

Além de sequências do original terem sido ampliadas — passagens rápidas se tornaram calabouços, por exemplo — novos arcos foram inseridos, trazendo desafios inéditos e adicionando mais camadas ao mundo. Em nenhum momento me senti enrolado pelo jogo. Claro que há passagens mais modestas, que reduzem a velocidade da campanha, mas nada ofensivo. Talvez algumas missões secundárias possam trazer um pouco desse sentimento mas, novamente, para mim nenhum ponto crítico negativamente.

Quanto ao aspectos técnicos, FF VII Remake mantem a tradição da Square Enix. A parte gráfica dá uma leve desapontada em algumas texturas de ambiente de baixa qualidade e que as vezes demoram um pouco para carregar. Em contra partida, o jogo roda liso em 30 FPS quase que constantes. Sobre a trilha sonora, apenas uma palavra: impecável.

Those Who Fight

Um dos pontos centrais da qualquer Final Fantasy é seu sistema de batalha. É tradição da série sempre trazer novas mecânicas que as vezes continuam, as vezes são deixadas de lado. É “fácil” fazer isso em um novo projeto, mas como adaptar isso tendo que usar uma base pré-estabelecida? Pois bem, usando as lições aprendidas com as últimas edições, o sistema de FFVII Remake é um dos mais polidos em muito tempo, finalmente equilibrando a ação em tempo real e estratégia. Algo que Final Fantasy XV tentou e falhou, só para dar um exemplo.

Durante a luta é possível controlar qualquer personagem do grupo, e você vai querer rotacionar pela sua equipe com frequência. Primeiro porque a jogabilidade com cada um é muito divertida. Depois que o personagem ativo carrega ATB mais rapidamente e, por fim, alguns inimigos vão focar exatamente em quem você estiver controlando. Também é possível dar comandos para os outros dois que não estão sendo controlados da mesma forma. Uma adição inusitada e bem utilizada é a barra de Stagger (Atordoamento), mecânica vinda de Final Fantasy XIII.

Um dos desafios opcionais do game é o Coliseu em Wall Market.

As matérias também estão de volta e seu funcionamento é bem similar ao original. Tipos diferentes causam efeitos diferentes, todas possuem níveis que liberam novas magias e é possível fazer combinações permitindo efeitos variados: armas com dano elemental, dano em múltiplos alvos, entre outros.

Vale fechar esse bloco falando das armas. São “apenas” seis por personagem, mas cada uma tem características diferentes. As espadas de Cloud, por exemplo, transitam entre alto ataque físico ou ataque mágico, dano crítico ou mesmo algo mais equilibrado. Cada arma tem uma técnica única, que pode ser aprendida e incorporada ao personagem, e pode ser aprimorada com diferentes status. Simples mas eficiente, com nuances que dão um certo nível (bem leve) de liberdade de personalização.

A flower?

Como disse anteriormente, FF VII Remake pega apenas parte do jogo original. Essa decisão, nas palavras do produtor Yoshinori Kitase, foi feita para manter a qualidade geral, dado que seria impossível recriar totalmente o game em um único projeto. Mas ainda assim, pegar um trecho tão pequeno do original daria conta do recado? A resposta é sim, com louvor. Mesmo sendo só um trecho inicial, a parte de Midgar é importante para definir os objetivos e motivações dos personagens, que serão carregados por toda a jornada. E isso é muito mais importante nesse remake.

Um bom exemplo do trabalho pode ser visto logo no segundo capítulo, após a destruição do Reator 01. Topamos de cara com as consequência desse ato, com centenas de pessoas desesperadas devido a explosão, o caos devido a catástrofe instaurada. Isso impacta todos os membros da Avalanche de diferentes formas, que sentem que suas ações tem consequências não só na Shinra, mas em cidadãos comuns, que só estão vivendo suas vidas.

Destaco aqui a evolução de Barret, que sabe exatamente que a luta pelo planeta vai respingar em outros, mas deixa claro que por um bem maior, eles devem aguentar esse peso nas costas. Avançando na história, porém, um evento trágico consegue abalar sua convicção, com a possibilidade de ter perdido mais do que ele suportaria. Esse momento, em especial, devo dizer que me tocou bastante, pois de alguma forma conversa com o momento em que vivemos, como lidamos com perdas e transformações. Essa construção deixa os personagens e o próprio mundo de Midgard mais verossímil e vibrante.

Existe ainda um outro ponto que merece ser comentado, mas sem detalhes por motivos de spoiler. Além desse aprofundamento do material original, há adições pontuais que direcionam esse remake para uma direção muito promissora. Mostra uma coragem louvável do time de desenvolvedores em não se manterem amarrados pela nostalgia ou por fãs marrentos.

Seja você um veterano da série ou alguém que esteja chegando agora, Final Fantasy VII Remake é um ótimo jogo com muito para ser aproveitado — mesmo após o fim do jogo, existem objetivos e chefes opcionais — que incluem summons. Provavelmente trará uma forte carga de nostalgia para quem viveu o título original, mas SOLDIERS de primeira viagem também encontrarão uma excelente experiência.

Final Fantasy VII Remake está disponível para PlayStation 4.



Bruce

Jornalista, Game Designer e perito na arte das piadas de qualidade questionável. Adora sofrer em soulslike, perder horas em jRPGs e passar a vida no Final Fantasy XIV